Bumadinho – Luto

“Agradeço à vida por nada ter sido fácil para mim.”
Sigmund Freud

Não escrevi minha crônica na semana passada, estava num momento em que tudo o que via estava entortado e refratado pelas lágrimas. 

Há dias, eu tentava escrever de novo, procurando recuperar o tempo do luto. A lembrança de minhas duas cachorrinhas - elas eram parte desta família.

Tinham qualidades incríveis, estavam sempre ao meu lado, sem julgamentos. Demonstravam carinho de forma genuína, sem esperar nada em troca; tinham verdadeira devoção; percebiam quando eu não estava bem; e nos defendiam de qualquer sinal de perigo com muitos latidos - é verdade. 

Viviam sempre serelepes, não guardavam ressentimentos (no raro caso de algum”não”), sempre demonstrando gratidão e amor com olhares, lambidas e carinho infinito… 

A lembrança me embalava, me doía e, às vezes, até insanamente, eu conversava com elas, olhos nos olhos – era assim que eram. 

Sempre presentes em tudo o que fazia, ficavam onde eu estava: na cozinha, no recamiê, na sala de TV, disputando um lugar para ficarem bem em cima de mim.

Quando eu não estava passando bem, ficavam deitadas no chão do quarto, ao lado da minha cama. Às vezes, sinto a presença delas, Rosa e Amora, sempre donas desse amor que ainda vive em mim.
Vítimas de um sapinho, é inacreditável. 

Elas me deixaram, não porque quisessem; o olhar de despedida, quando as coloquei no carro para correr ao socorro - agora sei -  era despedida, era amor puro, era a ruptura, o adeus.

A saudade e a perda me consomem; não vejo mais a volta alegre, barulhenta e saltitante.
Agora é só silêncio. Fico olhando por todos os lados e nem a mim mesma me encontro mais.

A médica disse: “Se dê o direito de sentir o luto”, e eu, confusa, não sei mais se meu luto é pela perda delas ou pelo pedaço do meu coração que elas levaram, justamente aquela parte do coração que dava gosto à vida.

* Carmelita Chaves é publicitária, escritora e restaurateur