Acidente do Tunico: 26 de dezembro de 2016

Na coluna Na Garupa com o Tunico, crônicas sobre estradas, histórias e destinos mineiros. Uma visão pela alma e pelo coração do Tunico, sobre as experiências que se pode sentir sobre duas ou quatro rodas.

Dez 27, 2024 - 15:41
Acidente do Tunico: 26 de dezembro de 2016

Outra data icônica em minha vida. Na semana passada, citei o dia 20/12 para comemorar 37 anos de casado. 

Nesta semana, contudo, marca o acidente que sofri há 8 anos, no dia 26 de dezembro de 2016.
Quando alguém comenta que andar de moto é perigoso, eu concordo.

Não que isso me cause medo ou me faça desistir, mas porque é uma verdade. Carros também são perigosos; perdi uma esposa em um acidente de carro e uma sobrinha assassinada por um motorista irresponsável, que fugiu sem prestar socorro.

Nossas estradas estão repletas de caminhões, e as leis que regulam o trânsito são ineficazes. No entanto, para aqueles que amam as duas rodas e sentem a liberdade correr nas veias, esse perigo se torna secundário.

Um dado recente publicado pelo SENATRAN mostra que, dos 32,5 milhões de proprietários de motos no Brasil, 17,5 milhões não possuem CNH na categoria A, necessária para conduzi-las. Ou seja, 54% não receberam treinamento básico ou avaliação de habilidades.

Isso é assustador, e imagino quantos motoristas de carro estão na mesma situação. Transitamos em uma terra sem lei.

O Acidente
No final da tarde de 26 de dezembro, eu estava indo para casa em Casa Branca pela via principal do Jardim Canadá.

O dia ainda estava claro, e minha Harley Davidson Deluxe, carinhosamente chamada de Audrey Kathleen Hepburn, fazia-se ouvir a dois quarteirões de distância. Vestia uma capa de chuva reflexiva, com o farol aceso.

Reduzi para passar por um quebra-molas. Ao me aproximar de um cruzamento, olhei para a esquerda e vi um carro a cerca de 70 metros de distância.

Olhei para a direita, nenhum veículo. Quando estava no meio do cruzamento, minha visão periférica captou algo vindo pela esquerda em alta velocidade. O carro estava a poucos metros de mim. Ele não me viu, não me ouviu e não freou. Audrey Hepburn o parou.

O impacto foi brutal. Segurei com mais força no guidão, mas tudo o que ouvi foi o som de ferro retorcido. Fui projetado para longe e, milagrosamente, caí em um pequeno trecho de grama, cercado por grandes pedras de minério de ferro.

Meus braços amorteceram a queda, protegendo minha coluna — algo que atribuo aos anos de artes marciais e à memória muscular.

No chão, começou um combate interno pela sobrevivência. Minhas dores eram insuportáveis, mas me concentrei em permanecer consciente e minimizar os danos. Escolhi não me vitimizar e encarar o acidente como um aprendizado.

Lesões e Sobrevivência
Eu tinha a sensação de que meu pé esquerdo estava voltado para trás, como o do Curupira. A tíbia esquerda perfurou a calça e estava exposta.

Meu ombro e clavícula esquerda doíam intensamente, e minha panturrilha foi gravemente queimada pelo motor da moto, que imprimiu nela um desenho semelhante ao de uma grelha.

Mesmo assim, consegui improvisar um torniquete com o cinto para estancar o sangramento e redirecionar o fluxo sanguíneo para o lado direito, mantendo o cérebro irrigado.

Dois amigos chegaram cerca de 10 minutos depois e me ajudaram nesses procedimentos, seja acreditando na eficácia ou simplesmente me dando uma moral.

Minha esposa e minha filha também chegaram com 20 minutos, mas o SAMU demorou impressionantes 4 horas e 40 minutos para me resgatar.

A Recuperação
O acidente resultou na perda do meu pé esquerdo, que ficou preso dentro da bota. Foram necessários um ano de cama e dois anos de cadeira de rodas com o uso de um extensor externo de Ilizarov para alongar a tíbia e reconectar os ossos.

Essa técnica, que leva o nome do médico soviético Gavriil A. Ilizarov, permitiu que minha tíbia e meu pé, separados por 7 cm, fossem gradualmente aproximados e regenerados.

A primeira e mais longa cirurgia durou mais de 8 horas. Voltei da anestesia nos últimos minutos, ouvindo sons de marteladas e serras elétricas. Perguntei ao médico, Dr. Fábio Ribeiro Baião, se ele estava usando uma furadeira Black & Decker, e ele confirmou.

Tive esperanças de que fosse uma ferramenta de alta precisão alemã ou suíça, mas não era o caso. Apesar disso, não perdi o humor.

Perguntei na sequência se eu poderia retornar ao lugar onde estava antes de entrar no que parecia uma oficina de lanternagem e pintura. Mas não, ele pediu paciência e disse que deveria suportar menos de 5 minutos. Foi foda!

Conclusão
Este acidente poderia ter encerrado minha vida, deixado sequelas maiores do que as que ficaram ou me levado à vitimização e ao sofrimento. Mas escolhi transformá-lo em aprendizado.

Hoje, uso minha experiência para ajudar outros e refletir sobre o valor de cada dia. Esta tragédia foi um marco que mudou profundamente minha vida e a de minha família, mas também representou um renascimento. 

Nada melhor do que fazermos esta reflexão no Ano Novo. Um dia que, por si só, seria apenas mais um no calendário, mas que conseguimos elevar ao grau máximo de expectativas, esperanças e resiliência.

Cada dia nos ensina que tudo passa, e que hoje somos melhores do que ontem; e amanhã, seremos melhores do que fomos hoje. Obrigado por me acompanhar em minha garupa por estas estradas da vida.

* Tunico Caldeira é publicitário, gestor cultural, professor e artista plástico

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