Marilene - ressignificando a vida, aventureira, livre e muito feliz
Na coluna Na Garupa com o Tunico, crônicas sobre estradas, histórias e destinos mineiros. Uma visão pela alma e pelo coração do Tunico, sobre as experiências que se pode sentir sobre duas ou quatro rodas.

Hoje, quem pega carona na minha garupa é uma mulher incrível, com uma história de vida que vai do nó na garganta a muitas gargalhadas.
Ao conhecê-la e ouvir suas histórias, é impossível não se emocionar. Algumas lágrimas são inevitáveis.
Quando criança, não teve acesso à vacina contra a paralisia infantil, hoje conhecida como poliomielite, uma doença que, nas décadas de 1950 e 1960, causava grande preocupação. Naquela época, os tratamentos eram limitados e visavam apenas aliviar os sintomas.
Marilene carregou sequelas físicas que a obrigavam a se arrastar pelo chão. A crueldade de algumas pessoas, que hoje chamamos de bullying, a marcou profundamente.
Era chamada de "aleijadinha" ou "tortinha". Foram necessárias 23 cirurgias para reestruturar seu lado esquerdo do corpo, permitindo-lhe, a partir dos 15 anos, andar com o auxílio de muletas. Com esforço e muita dedicação hoje faz uso de uma bengala.
A reabilitação exigiu muita dedicação. A fisioterapia teve um papel essencial para fortalecer os músculos e melhorar sua mobilidade.
No Brasil, instituições como a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) ajudaram muitas pessoas nessa jornada.
Felizmente, a introdução da vacina oral, conhecida como "gotinha", erradicou a poliomielite no país, mas as sequelas para os sobreviventes, como Marilene, foram mais do que físicas. A alma também guarda marcas.
O universo, porém, tem formas curiosas de ressignificar vidas. Marilene viveu um casamento de 22 anos com seu grande amor, Antônio Caixeta.
Companheiro, amigo e apoiador em todos os sentidos, ele partiu, deixando uma lacuna. Mas foi a partir desse momento de dor que ela encontrou um novo caminho.
Em um domingo, há cerca de 18 anos, Marilene conheceu um grupo de harleyros — apaixonados pela Harley-Davidson.
O estilo de vida, as roupas, a amizade, as músicas e as aventuras despertaram nela uma paixão arrebatadora. Sua família percebeu essa transformação e a incentivou a seguir esse novo sonho.
Porém, havia um obstáculo: sua limitação física a impedia de pilotar uma moto de duas rodas. Mas um diretor do Detran trouxe uma informação que mudaria tudo: ela poderia pilotar um veículo de três rodas.
Em 2009, conquistou sua carteira especial para pilotagem de motos adaptadas, sem a necessidade de utilizar o pé esquerdo - curiosamente, o mesmo problema que eu tenho. Já a conhecia antes do meu acidente e já havíamos rodado juntos em comboios, mas essa similaridade nos aproximou ainda mais.
Marilene iniciou então uma busca frenética por um triciclo que atendesse às suas necessidades. Descobriu em São Paulo uma empresa que importava um modelo inovador do Canadá: o Can-Am Spyder, da BRP (Bombardier Recreational Products). Esse triciclo, com duas rodas na frente e uma atrás, era perfeito para ela.
Ela não apenas adquiriu o primeiro Can-Am Spyder do Brasil, como se tornou uma consultora informal para a marca.
Suas sugestões levaram a melhorias no modelo, como ajustes na suspensão, nos retrovisores e no suporte da placa - que precisou se adequar à legislação brasileira.
Até mesmo o motor recebeu seus pitacos. Essa relação especial fez com que a BRP passasse a trocar seu modelo em média a cada dois anos.
Em 2010, entrou para o grupo Ladies of Harley, que teve início em São Paulo e hoje reúne mulheres pilotas de todo o Brasil. Anualmente, o grupo escolhe um ponto do país para se encontrar. Marilene participou de 14 dos 15 eventos — ficou de fora apenas em um, depois de escorregar no banho e quebrar a perna.
Com tantas aventuras, já rodou 378 mil quilômetros. Para ter uma ideia, isso equivale a 8,5 voltas ao redor do planeta!
Seu filho, Paulo Henrique Caixeta, sempre a incentivou. Quando o triciclo chegou, ele presenteou a mãe com um bonequinho para colocar na garupa, apelidando-o com o seu próprio apelido de criança: Caixetinha. Desde então, ele a acompanha em todas as viagens.
Uma de suas histórias mais divertidas aconteceu na Serra do Rio do Rastro. Um policial rodoviário, ao vê-la pilotando com “uma criança na garupa”, a fez parar e se aproximou já pronto para autuá-la:
“A senhora é louca? Como leva uma criança na moto? A idade mínima é sete anos!”
Quando ele percebeu que era apenas um boneco, sua expressão de decepção foi impagável.
No momento em que esta crônica for publicada, Marilene estará na estrada, indo para São Paulo. Mas tenho certeza de que hoje à noite ela a lerá para suas netinhas de 4 e 6 anos, na presença de Paulo Henrique e sua esposa.
Eles, assim como eu, devem sentir um imenso orgulho dessa mulher tão determinada, que tantas vezes se repaginou e seguiu em frente.
* Tunico Caldeira é publicitário, gestor cultural, professor e artista plástico
Qual é a sua reação?






